Merica, Merica, Merica, cossa saràlo ‘sta Merica?
A dúvida de como seria a nova nação para a qual milhares de italianos migraram há quase um século e meio em busca de uma vida melhor, está presente na música considerada hino oficial da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul, “Merica, Merica”.
Trazendo consigo a saudade dos que na Itália permaneceram, os primeiros grupos de imigrantes chegaram a partir de 1875 e instalaram-se na região da serra, hoje Farroupilha, Garibaldi, Caxias do Sul e Bento Gonçalves.
No final do século XIX, início do século XX, deram início à desbravação do estado e passaram a construir vilarejos semelhantes aos de seu país de origem. Tinham na agricultura o sustento da família, sendo considerados bons trabalhadores.
Na localidade de Campestre, município de Sobradinho, na região Centro Serra do estado, a colonização teve início por italianos vindos da região do Vêneto e do Friule, em 1892. Na bagagem, ferramentas com as quais seria possível abrir caminhos e construir moradas.
A preservação dos hábitos e costumes dos imigrantes italianos se torna possível pelo esforço em manter viva a memória destes antecessores. Livros, maquinários, construções são as recordações que ficaram daqueles que já partiram.
Como forma de resgatar a história, foi instituída em 2002 a Rota dos Casarões, trajeto turístico onde é possível vivenciar e relembrar o passado destes colonizadores italianos. De acordo com a guia turística local, Maria Angelita Cereta, a ideia partiu de um grande entusiasta da cultura italiana, Arlindo Cella (in memoriam) e do prefeito municipal na época, Lademiro Dors.
A Rota composta por seis pontos de visitação inclui capela e cinco casarões construídos pelos primeiros imigrantes de Campestre, sendo um deles também museu.
Junto com a guia turística, percorri a Rota dos Casarões. Nossa primeira parada foi no Casarão da Família Bertó. Construído em 1931 por João Ruoso, posteriormente pertenceu à família Mattana e há 47 anos à família Bertó.
Aos 84 anos, a dona da propriedade, Ida Tuchtenhagen Bertó, já não consegue se deslocar com tanta facilidade e por isso não nos acompanhou na visita aos cômodos da antiga construção.
A casa com três andares inclui porão, quatro quartos e um sótão. A cozinha, hoje ampliada e feita de moradia por dona Ida, fica ao lado do casarão. Segundo a guia Angelita, separar a cozinha do restante da casa era costume entre os colonizadores que tinham medo de que caso pegasse fogo, tudo fosse destruído.
Durante nossa conversa, a senhorinha que tem como hábito diário a leitura fez questão de lembrar sua época de escola. “Achava tão bonito escrever: Vila São Paulo, 2º Distrito de Sobradinho” recordou. Sobre o casarão, revela que o mais interessante são as molduras das portas. Explica que o sótão serve de dormitório dos meninos e no segundo andar ficam as acomodações das meninas e do casal.
Seguimos em direção a nossa segunda parada. Desta vez a visita foi ao Casarão Francisco Puntel, que recebeu este nome por ter sido feito por Puntel e seus filhos. Datado de 1915, as tábuas utilizadas na construção foram retiradas do mato e cerradas à mão.
O local abriga o Museu Tia Helena e guarda artefatos e objetos pertencentes aos imigrantes e descendentes de italianos. O nome é uma homenagem a Helena Augusta Puntel, falecida aos 89 anos em 2016, guardiã de memórias e responsável por conta-las aos visitantes da Rota.
Sob os cuidados de Cecília Puntel e do irmão Valdir Tarcisio Puntel, o museu integra o trajeto turístico desde sua instauração.
Em nosso terceiro ponto de visitação, o Casarão Cella. Construído em 1900 com a junção de pedras e tijolos artesanais ao barro, abriga utensílios utilizados pelos imigrantes e degustação de vinhos, queijos e salame. Proprietária deste casarão junto com a família de seu marido, Zilda Burin Cella remete à Fiovo Pasqualin a construção da moradia.
As paredes resistentes possuem cerca de meio metro de largura e a construção permanece praticamente inalterada, se não fosse pelo telhado de tábuas e o piso da entrada que precisaram de substituição.
Nosso passeio segue e chegamos ao local de oração da comunidade, a Capela La Consolata.
De acordo com a professora de História, Geografia e Língua Italiana, Zilda Burin Cella, o italiano tinha três pilares que o sustentava, a família sempre unida em torno da nona, a terra e a religião. “Os imigrantes rezavam em casa ou lugares onde se reuniam, mas era preciso uma capela.” Assim teve início à construção da primeira capela de Campestre.
Após meses recolhendo dinheiro, a capela foi construída de pedra com barro, puxada pela única junta de bois da comunidade, pertencente à Fiovo Pasqualin. Inaugurada em 1919, foi através de votação que ocorreu a escolha pelo nome de santo(a) que a mesma teria. “Um nono que sugeriu um plebiscito para escolha. Cada um escreveu o nome do santo que queria e colocou no chapéu. Ganhou La Consolata (Nossa Senhora da Consolação)”.
Entre 1949 e 1950, foi feita a construção da nova capela que substituíra a de madeira, já pequena para a população local. A partir de 1950 as missas passaram a ser realizadas na construção de alvenaria. O sino que veio da Itália e ficava ao lado da antiga ermida em uma torre de madeira, ainda hoje é conservado.
Zilda Cella recorda, que como promessa, uma família na qual as crianças morriam logo após o nascimento, fez a doação da imagem de Nossa Senhora Menina à capela. De acordo com a professora, a imagem é considerada relíquia, “existem apenas cinco ou seis no mundo todo”.
Seguindo pelo asfalto, logo avistamos o quarto casarão, este pertencente à família Miotto. Quem nos recebe é Dirlene Miotto Turcatto, que junto com o marido Sérgio mantém a construção. Mas, é a anfitriã de 83 anos, dona Regina Miotto quem comenta sobre o ponto turístico.
O último casarão a conhecer é de propriedade da Família Raminelli. Construído em 1922 por Paulo Valentim Puntel e Mariana Puntel, tornou-se patrimônio histórico do município. Feito com pedra de areia, barro e madeira, utiliza algumas barras de ferro na estrutura interna.
Dirceu Raminelli junto da família vive na propriedade desde os anos 1970. A importância da preservação dos casarões, segundo ele auxilia na divulgação do próprio município. “A Rota é conhecida até fora do Brasil, pessoas de outros países já vieram aqui visitar. É algo que ajuda muito a divulgar e o município também ganha com isso, assim como nós aqui da comunidade que ficamos conhecidos, não ficamos só no anonimato como se diz.”
Além da visitação propriamente nos casarões e na capela, durante o trajeto é possível andar de carroça, tirar água de poços, degustar produtos coloniais típicos italianos, cantar e dançar ao som das músicas animadas pelo grupo de cantoria local Amici D’Imigranti e conhecer o famoso tiro de morteiro, utilizado pelos imigrantes para avisar que teria festa na capela no domingo próximo.
Diretora de Cultura e Turismo de Sobradinho, a professora Ingrid Hermes atribui à Rota dos Casarões a importância de valorizar e conservar o símbolo da colonização italiana na região. “É de grande importância histórica e motivo de orgulho.”
De acordo com Ingrid, a Administração Pública auxilia através de incentivos, mantendo o acesso rodoviário em dia, propondo palestras, ajudando na divulgação do projeto com diversas mídias e intermediando o agendamento de excursões. No momento, disse não haver nenhum projeto específico em andamento para preservação da Rota. Entretanto o que há é um constante diálogo com os donos dos Casarões para que este importante projeto continue e seja preservado.
Serviço Rota dos Casarões Onde: Comunidade de Campestre há 7 km do centro de Sobradinho-RS Visitação: feita sob agendamento, está aberta para grupos de no mínimo 15 pessoas
Informações: (51) 3742- 1804, Casa da Cultura de Sobradinho-RS
Reportagem por: Nathana Redin (matéria publicada originalmente em 2016 - Revista Librum on-line)
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